terça-feira, 28 de agosto de 2007

A História de Renée de Vielmond > Renée nos mínimos detalhes
Incrivelmente tímida, a futura historiadora comenta sobre família, relacionamento amoroso, pãnico de palco e o curso na faculdade. Revela, ainda, que nada é planejado em sua vida.

Bolsa de Mulher - Você é tímida? O assédio do público te incomoda?

Renée de Vielmond - Sou muito tímida, sim. Tenho pânico de palco e raramente faço teatro. Na PUC, quando tem apresentação de trabalho, eu não consigo usar os recursos técnicos de atriz e fico tão nervosa, suando e tremendo, como se fosse minha estréia teatral. Freqüentemente peço a um ou outro professor que me libere de apresentar publicamente um trabalho de final de curso. Já passei por momentos de pavor. Quanto ao assédio, isto não existe na PUC. Sou muito integrada com os alunos, professores e funcionários. Já me acostumei ao assédio na rua, nunca deixei de ir ao banco ou ao supermercado por conta disto. Isto está perfeitamente incorporado no cotidiano da vida. O que me incomoda muito são os telefonemas inconvenientes para minha casa e quando viajo e interrompem meu descanso. De resto, tenho que conviver em paz com o assédio, pois fui eu que escolhi trabalhar em televisão. Tive também experiências maravilhosas como, por exemplo, quando Mariana, Fernando Puga e eu fomos assistir aos Rolling Stones. Pude assistir ao show no gramado na maior tranqüilidade e alegria apesar de estar no ar com "Pátria Minha".

BM - Qual o lado mais difícil de um relacionamento a dois?

RV - Acredito que sozinho tem-se maiores possibilidades de desenvolvimento profissional, maior autonomia, maior privacidade e maior acesso a diversas experiências. O relacionamento a dois pede um espírito democrático de convivência e uma aceitação da diversidade que se não acontece dos dois lados, leva um dos dois a abrir mão de aspectos fundamentais para um desenvolvimento pleno de suas aspirações e necessidades. Isto vale tanto para o homem quanto para a mulher.

BM - Como anda a tua vida afetiva?

RV - Num ponto da minha vida, desenvolvi um terror fóbico à paixão, à relação primitiva, simbiótica, idealizada, surda e cega. Portanto, pelo menos agora, a solteirice é um projeto positivo e desejado. Estou muito feliz descasada. Por enquanto, gasto a minha afetividade com a família, os amigos, o trabalho e o estudo. Mas sei que nos próximos anos enfrentarei mudanças tremendas que provavelmente me ajudarão a desencalhar deste medo da relação amorosa. Eu já achei que tinha mudado de continente e queimado as caravelas, mas não. Eu gostaria de viver outra vez uma boa relação com um bom companheiro, sim.

BM - Quais os valores que você transmitiu para sua filha?

RV - Passo valores nos quais acredito que são a importância de se estabelecer compromissos mútuos com os outros, de associar bom caráter e experiência, a necessidade de se cumprir obrigações formais e a atribuição de valores éticos nas relações com os outros e na relação consigo mesmo e o respeito pelo espaço público. Eles são várias vezes confundidos com virtudes abstratas.

BM - Qual a sensação de freqüentar a mesma faculdade da sua filha Mariana? Vocês se encontram pelos corredores da PUC?

RV - Acho que isto incomoda mais a mim do que a ela . Freqüentamos turnos diferentes e nunca nos encontramos lá dentro. Mesmo que eu estude com algumas mães que tranqüilamente têm seus filhos estudando na PUC, eu ainda me sinto constrangindo a Mariana. Já tive como colega de turma duas das melhores amigas da minha filha e foi tudo normal. Sei que é impossível dividir uma sala de aula com minha filha e isto seria totalmente desnecessário. As coisas se ajeitaram dessa maneira e está excelente assim. Acho que não estamos nos atrapalhando. Os espaços de cada uma estão rigorosamente preservados.

BM - O desejo de estudar História é novo ou é um sonho antigo? Como você deu partida a esta aventura universitária? Quando termina o curso?

RV - É mesmo, é uma aventura estudar! Com toda a vida movimentada que tive, esta é minha primeira experiência que considero uma aventura. Mas eu considero estudar um ato de criação porque a criação é também você sair do seu mundo, do mundo no qual você estava acostumado a viver. Comecei a trabalhar muito cedo, respeitando o lugar que me foi atribuído no mito familiar . Trabalhei muito e com grande retorno. Casei, tive minha filha, descasei e nisto se passaram trinta anos. Num intervalo de novela, comecei a estudar inglês, depois fiz uma oficina literária e de repente passei no vestibular pra História na PUC. Nada, absolutamente nada, foi planejado. Aliás, como nada foi planejado em minha vida: nem trabalho, nem maternidade, nem viagens... Comecei, então, a fazer o curso de História e me apaixonei perdidamente por estudar, de uma maneira que jamais imaginei. No princípio, armei um esquema que deu certo e passei a trabalhar como atriz só nas férias da PUC e consegui assim preservar tanto o curso , quanto o ofício de atriz. Mas, de uns tempos pra cá, todos os convites para cinema, teatro e televisão têm surgido nos períodos letivos e é rigorosamente impossível conciliar as duas atividades, muito pela minha maneira ciclópica de estudar e trabalhar pois promovo intensos mergulhos quando estudo e trabalho. Não abro mão desse tempo de imersão que me alimenta. Tenho em mente que vou ter de trancar o curso de História para voltar a trabalhar e, mais tarde, parar de trabalhar outra vez para retomar o curso. Terei que ir alternando anos de estudo com anos de trabalho. E desta maneira irei vivendo, de uma maneira que só serve pra mim, que ninguém me tome como exemplo, principalmente os jovens.. O curso pra mim não tem uma utilidade prática, uma aplicabilidade imediata. O conhecimento não faz sentido só se tiver uma funcionalidade...isto é redutor. O que me interessa neste curso é o processo, o caminhar e não o bacharelado, o diploma. Dificilmente conseguirei fazer uma carreira acadêmica, digo mesmo que não tenho nenhum futuro na academia. Não quero me enganar nem enganar a ninguém. Mas estudar História é fundamental pra mim, é o meu fio terra que me dá consciência do processo histórico e me ajuda a me posicionar na vida e a entender criticamente as circunstancias da realidade que nos cerca.

BM - Você é feliz?

RV - Eu me sinto feliz em muitos momentos de minha vida. Tanto pode ser quando recebo reconhecimento por um trabalho profissional que executei bem ou quando na madrugada maravilhosa em que minha filha nasceu ou quando, do meu ponto de vista, "o extraordinário acontece no ordinário": uma boa refeição numa mesa bem posta , um encontro com um amigo, a leitura de um livro, caminhar na Floresta da Tijuca, nadar vendo o pôr-do-sol na Barra de Guaratiba, rever o jardim de rosas de minha avó em Junqueiro, Alagoas, tantos e tantos milhares de momentos felizes .....nós ficaríamos conversando horas e horas...